Documentário mostra o sensível trabalho do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. Em cartaz, no Paradigma Cine
Era 1986 quando ouvi falar pela primeira vez em Sebastião
Salgado. O fotógrafo brasileiro, que já acumulava experiências raras mundo
afora como ter documentado o atentado a tiros contra o presidente dos EUA,
Ronald Reagan (1981), estava lançando seu primeiro livro, o “Outras Américas”.
Esta obra me deu naquela época uma narrativa visual nova, que eu absolutamente
não conhecia. A amarga vida dos remanescentes de tribos indígenas na América
Latina, a temática do livro, estava ali retratada em imagens de uma profundidade
intensa, belas demais do ponto de vista estético, e tristes ao extremo, pela
carga histórica que sustentavam. E é essa intensidade, que reside na beleza e
no realismo sofrido dos povos, que potencializa o trabalho único e sensível do
brasileiro Sebastião Salgado.
Essa antiga percepção foi revisitada agora, e de forma mais
abrangente, no filme documentário “O Sal da Terra”, que está nos cinemas desde o último dia 26, em Florianópolis no Paradigma Cine. O
trabalho, fruto do casamento do consagrado diretor alemão Win Wemders (de ”Paris,Texas”/
1984, “Buena Vista Social Club”/1999 e
tantos outros) e de Julio Salgado, filho e entusiasta do projeto, é um sucesso
de crítica e ao que indica também será de público. Público, que fique claro,
que curte o formato documentário e que, acima de tudo, tenha afinidade com o
trabalho de Sebastião Salgado.
O documentário é fácil de ver e de absorver o jeito de ser
de Salgado. Com várias tomadas em preto e branco, que se entremeiam a fotos do
artista e dele próprio trabalhando, a narrativa é feita ora por Wenders, ora
por Salgado e, em boa parte, pelos próprios depoimentos contidos no
documentário. A trajetória, desde a infância até a compra da primeira câmera e,
conseqüentemente das primeiras experiências como fotógrafo, apesar de
organizada de forma cronológica não é nem de longe maçante, como tinha tudo pra
ser.
Aos poucos, vamos nos apaixonando pela história, pela
importância da mulher de Salgado no rumo das coisas, pelas viagens e desafios
que ele atravessa. É impossível não se emocionar com as belas fotos de Mali, de
Ruanda, de Serra Pelada e de tantos outros lugares que Salgado passou e
registrou o sentimento de um povo como quase ninguém fez ou faz. Na luz do
olhar de uma criança que foca o nada, na lágrima resplandecente de uma índia
idosa que denuncia o passado duro, nas rugas cheias de esperança que cortam a
pele castigada do garimpeiro. Residem ali a alma do trabalho de Sebastião
Salgado e ela está desnuda nesse documentário.
A verdade é que alguns críticos, uma minoria repetitiva, vão
insistir na tese da “estetização da miséria”, atribuída a ele tantas vezes.
Outros, por sua vez, já estão defendendo a tese da luta de egos, pelo fato de
ter se juntado num mesmo filme um ícone da direção cinematográfica e outro da
fotografia, cada qual com seus propósitos. Eu, uma pessoa comum e filha de
Deus, vejo como uma rara oportunidade de conhecer o trabalho deste brasileiro
cheio de talento, de histórias e que criou uma linguagem visual só dele. É uma
espécie de homenagem pelo trabalho ao longo de 40 anos, não de fazer fotos
simplesmente, mas de conseguir abrir nossos olhos para a questão social e
ambiental em vários cantos do planeta. É
merecido ele poder deixar seu legado nesse documentário que, por pouco mesmo,
não levou a estatueta do Oscar 2015 como o Melhor Documentário. Vale conferir.
Título original: Le Sel de La Terre
Direção: Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado
Roteiro: Wim Wenders, Juliano Ribeiro Salgado e David Rosier
Produção: David Rosier
Fotografia: Hugo Barbier e Juliano Ribeiro Salgado
Edição: Maxine Goedicke, Rob Myers
País: Brasil, França, Itália
Ano: 2014
Tempo: 110 minutos
Exibição
em Florianópolis: Paradigma Cine Arte (SC-401 Corporate Park), até 08/04/2015