quarta-feira, 17 de junho de 2015

Winter Sleep, a boa pedida para o inverno que está chegando



Questionador, intrigante, único. O premiado diretor turco Nuri Ceylan mostra em "Winter Sleep" porque este filme está sendo aclamado como um grande tratado das relações humanas


O cenário de Winter Sleep, filme que ganhou o Palma de Ouro no Festival de Cannes, é a Capadócia. E se já veio à sua cabeça aqueles imensos balões coloridos planando sobre uma região vasta de rochas ocres, ensolaradas e aparentes, esqueça. O diretor turco Nuri Ceylan revelou nesse trabalho uma nova face da Capadócia, menos conhecida e pouco vendável turisticamente, mas não menos bela. Cruelmente íngreme e gelada, a chamada Anatólia Central na Turquia tem no inverno rigoroso os seus muitos contornos cobertos de neve espessa e também de reflexões profundas sobre as relações humanas. Sim, prepare-se para um filme tão denso quanto longo – são exatas três horas e dezesseis minutos de projeção.

Aydin (Haluk Bilginer) é dono de um hotel na Capadócia e tenta mantê-lo sem alterar suas características originais e do entorno, como forma de continuar atraindo turistas aventureiros e abonados curiosos do mundo todo. O empreendimento, fruto da herança dos pais já falecidos, foi seu refúgio após a carreira frustrada como ator. Lá, vive dividido entre escrever uma coluna para um jornal local sem relevância e também fazer pesquisas para o projeto de um livro que pretende um dia escrever sobre o teatro turco. Aydin divide a vida com duas mulheres, a bela esposa Nihal (Melissa Sözen) bem mais jovem que ele, e a sua irmã, Necla (Demet Akbag) recentemente divorciada e entediada com a vida sem sentido que leva.


Aydin (Haluk Bilginer),  entre livros e conflitos

Os conflitos vividos pelos personagens são revelados pouco a pouco na trama, em diálogos longos e complexos. Nihal e Necla, cada uma infeliz à sua maneira, sentem-se oprimidas por Aydin, que, dono de uma personalidade cruel, fragiliza suas dependentes financeiras com um certo domínio intelectual sobre elas e também sobre os amigos, empregados e pessoas de uma comunidade que convivem há séculos sob o comando de sua família. As discussões, que passam por este questionamento da dependência, da opressão e do desconforto causado, não são violentas. Ao contrário, correm num tom de formalidade e de constrangimento que evoluem na velocidade da maturação do espectador. É como se a quem assistisse também lhe fosse assegurado o tempo necessário para formular suas questões, associar ao seu próprio mundo, e devolver um posicionamento ao diálogo travado entre os personagens. Os temas, profundos e muito bem argumentados, emergem e voltam a submergir numa gangorra sem fim. Religiosidade, compaixão, filantropia, riqueza, pobreza, consciência. Nada é absoluto, maniqueísta ou muito menos definitivo. Tal como são as relações humanas.

Nihal (Melisa Sözen), a jovem e bela esposa de Aydin 
A obra-prima de Ceylan tem sido generosamente aceita pelos mais temidos críticos de cinema mundo afora. Mas saiba: não há nada de espetacular, nenhum ponto alto ou grande descoberta. Nada assim. Os holofotes estão voltados para o diretor turco por ele ter feito uma espécie de tratado dos relacionamentos, onde cada espectador, com maior ou menor intensidade, se vê invariavelmente inserido no contexto. É como se alguém, desconhecido e anonimamente, estivesse olhando para dentro de você.

Intrigado? Convencido? Não deixe de assistir. É um exercício de aprofundamento das relações humanas que, por mais que viole sua alma e frustre suas expectativas iniciais, vale a pena. Este filme não está no circuito nacional de exibição. Até pelo fato de ter mais de três horas de duração e um público bastante limitador do ponto de vista comercial. Então, garimpe! Em São Paulo, reina no Cine Belas Artes 2, com sessões exclusivas às 14 horas. Em Florianópolis, o forte candidato à exibição é o Paradigma Cine, porém sem programação por ora. Fácil fica para quem tem Now, o sistema de locadora virtual da NET, onde o título já está disponível para locação por R$ 9,90. Pague para ver.



O premiado diretor turco Nuri Ceylan, que nunca saiu de Cannes com as mãos vazias



Curiosidades
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O diretor Nuri Bilge Ceylan revelou que tinha mais de 200 horas de material e seu corte original era de 4 horas e 30 minutos. Então, Ceylan "trabalhou duro" a fim de reduzi-lo para 3 horas e 16 minutos.
· Winter Sleep foi inspirado nos contos de Chekhov, bem como nas obras de Tolstoi, Dostoievski e Voltaire.







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