quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Na dúvida do que ver no cinema? Fique com "A Pedra da Paciência"

Filme afegão em cartaz no Paradigma Cine Arte surpreende pela elegância e sensibilidade com que o tema opressão feminina é tratado. Ganha pela forma, foge do clichê e não perde no argumento.
A atriz iraniana Golshifth Farahani em show de interpretação e beleza


“A Pedra da Paciência” foi selecionado para o Festival Internacional de Toronto de 2012, pré - indicado do Afeganistão para concorrer como melhor filme estrangeiro ao Oscar de 2013 e vencedor do prêmio de Melhor Atriz para Golshifth Farahani no Festival Internacional de Abu Dhabi. Para quem assiste ao filme, o sentimento é de que as indicações e premiações foram bastante modestas, tamanha a grandeza da obra. O texto e a interpretação preciosa da atriz principal Golshifteh Farahani (“Procurando Elly”) dão ao filme uma elegância e profundidade tocantes.


Vigília e confissões a um marido em coma
A história, que foi baseada no romance ‘Syngué Sabour’ de Atiq Rahimi, também o diretor e co-roteirista de “A Pedra da Paciência”, conta a saga de uma mulher ainda jovem e atraente, mãe de duas filhas, muçulmana e casada com um homem bem mais velho que ela (Hamid Djavadan). Ele, herói de guerra e veterano do Jihad, é seriamente ferido com uma bala no pescoço e entra em coma. Abandonado pelos companheiros e pela família, a esposa é a única que lhe resta. Justamente da mulher, este ser secundário e desvalorizado na cultura muçulmana, que a vida dele passa a depender. Numa casa em ruínas pelos freqüentes ataques, sem dinheiro e com uma guerra rolando do lado de fora, sua mulher faz vigília sobre o corpo inerte, vegetativo, do marido. O farmacêutico lhe nega fiado e ela o mantém vivo apenas com soro caseiro e alguns foutons estropiados que fazem as vezes de um colchão. Não há com quem e nem com o que contar. No avanço da vigília, ela começa a conversar com o corpo imóvel do marido que, de olhos semi-cerrados, mas sem qualquer reflexo, ouve passivamente seus depoimentos, opiniões, sofrimentos, sonhos, coisas que lhe aconteceram. É a primeira vez que ela consegue conversar com o marido, contar-lhe coisas, falar sobre si mesma. E é justamente aí, nesse processo de confissão cada vez mais intenso, que ela começa a revelar vários segredos e a alcançar uma libertação. Achei genial essa sacada de Atiq Rahimi de colocar um marido em coma como a razão para que a mulher possa dizer aberta e livremente o que sente. Genial porque em que outra situação uma mulher muçulmana teria essa oportunidade? Genial também porque dessa maneira conseguiu construir um monólogo elegante e cheio de suspense – claro, a qualquer hora o marido pode recobrar a vida, sair do coma, matá-la ou amá-la... quem sabe? E é essa arquitetura do roteiro que faz toda a diferença, faz que com “Pedra da Paciência” não seja mais um, entre tantos filmes, que falam da opressão da mulher no mundo islâmico.



No decorrer da vigília, há dois personagens que interferem nesta solidão contínua da mulher afegã, oferecendo um contraponto. Um deles é a tia da jovem (Hassina Burgan), uma mulher que também sofreu as agruras da sociedade muçulmana e quando jovem foi expulsa de casa e rejeitada pelos pais por ser estéril. Virou prostituta e a melhor conselheira da sobrinha. O outro é um jovem soldado gago (Massi Mrowat), que se insinua na rotina da moça quando esta, para se defender de um ataque, alega ser prostituta – o que, ironicamente, a salva de estupro. Mas as visitas do soldado passam a ser frequentes e tanto ela quanto ele aprendem juntos a buscar o prazer em meio a tanta guerra e miséria.

O colorido das sedas x cinza da guerra

Devido à instabilidade política no Afeganistão, apenas umas poucas cenas externas foram filmadas ali. A maior parte da produção foi realizada no Marrocos. Mas mesmo assim, as locações são credíveis. Particularmente um detalhe me chamou a atenção na fotografia: o cinza das cidades e das construções detonadas pelas bombas em contraponto à leveza e o colorido das sedas, tapetes, lenços, vestidos e até das burkas (sim, a que a nossa atriz principal usa é amarelo-ouro). Para mim soou como uma mensagem subliminar de que o lado feliz, colorido e dançante de uma cultura milenar estava sendo soterrada pela aspereza da guerra. E o que restava então era somente a guerra e a opressão.


A cor e a leveza dos tecidos em contraponto ao cinza da guerra do lado de fora 
Vale dizer que “Pedra da Paciência”, que é “Syngué Sabour” em afegão, é o título de uma parábola afegã cujo pai orienta uma filha mulher a eleger uma pedra com quem pudesse conversar durante a vida. Essa seria a sua receita para a felicidade da filha. A pedra absorveria todas as histórias, frustrações, medos e ódios até que um dia explodiria. O marido em coma foi a singué sabour da sua mulher afegã. E você pode estar se perguntando, mas ele explode, como a pedra? Esse é o desfecho inusitado do filme que, claro, não vou contar aqui porque realmente acho que vale a pena você assisti-lo.


Filme: A Pedra da Paciência (2012, 102 minutos)
Direção: Atiq Rahimi
Roteiro: Atiq Rahimi , Jean-Claude Carrière
Fotografia: Thierry Arbogast
País: França, Alemanha, Afeganistão
Classificação: 14 anos
Exibição: até 01/10 com exclusividade no Paradigma Cine Arte





Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui o seu tempero: